sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Nunca julgue um livro pela capa

Por Ismênia Noleto


Cláudio trabalhava como vigia noturno de um edifício de luxo. Casado e ganhando apenas um salário mínimo ele tinha que se desdobrar para sustentar a mulher e os cinco filhos. Apesar de fazer bicos com faxina, sua mulher, Ana Rita ganhava pouco e mal dava para as compras do supermercado.
Um dia, enquanto trabalhava, Cláudio recebeu um convite muito especial de um morador. Ele já ouvira muito falar de Jesus, mas só estava esperando um convite para visitar uma igreja. "Eu não vou chegar lá de gaiato. Fico com receio" - pensou.
Como se adivinhasse seus pensamentos, ao entrar no condomínio, o Dr. Raimundo, um conceituado juiz, o convidou para visitar sua igreja.
- Nossa igreja estará aniversariando, por isso gostaria muito que você e sua família fossem nos prestigiar.
- Claro que vou doutor
- Aqui está o cartão da igreja. Qualquer coisa, é só me telefonar
- Vou chamar minha mulher e meus filhos para irem comigo.
- Espero vocês lá amigo.
"Sujeito simples esse doutor Raimundo. É juiz, mas não é metido a besta e nem anda de nariz empinado. Se ele é assim, os outros da igreja também são" - pensou.
No dia combinado, lá estava Cláudio e a família escolhendo as "melhores" roupas para ir à igreja.
- Ô Cláudio, o pessoal de lá deve ser xique. Tô com vergonha de ir pra lá com essa roupinha aqui tão mixuruca, até descosturada está... - disse Ana Rita, esposa de Cláudio.
- Minha filha, não se preocupe com isso. Acho que o pessoal de lá não liga pra isso não e tem outra coisa, vou pra lá hoje pra aceitar a Jesus!
- Eu te apóio na sua decisão meu bem, mas eu acho que não vou aceitar agora não. Vou dar mais um tempo. Você sabe né, eu gosto de um cigarrinho...
- Faça aquilo que você acha melhor, mas sei que em breve Jesus vai te libertar desse vício...
- Pois vamos nos apressar, a missa já deve estar perto de começar.
- Não é missa minha filha, é culto
- Ah tá...


Dez minutos depois...

A igreja Nova Esperança de Cristo chamava a atenção pela sua beleza e grandiosidade. Possuia uma arquitetura arrojada, moderna, tinha dois andares, ar condicionado, bancos confortáveis, era toda no tapete e tinha uma decoração bonita com flores que combinavam com as cortinas.
- Nunca vi uma igreja tão linda papai - disse Marcos, um dos filhos de Cláudio.
- Aqui é bonito mesmo filho, mas vamos logo, vamos entrar que já chegamos atrasados.
Ao entrarem na igreja, Cláudio percebeu que ele e sua família estavam chamando todas as atenções. As pessoas que estavam ali, sentadas, estavam impecavelmente bem vestidas e grande parte destas, parecia ser muito bem financeiramente, além disso, Cláudio reparou que em uma área aberta da igreja, que servia como estacionamento, só havia carros novos e luxuosos, a única bicicleta que tinha lá, era a dele, mesmo assim, ele agradeceu a Deus por ter ao menos a bicicletinha que ele carinhosamente apelidava como Filomena. Enquanto subiam as escadas à procura de um banco para se sentarem, Cláudio e sua família perceberam os olhares meio enviezados. Ele percebia gestos, risinhos sarcásticos e olhares de indiferença.
Meio sem jeito, eles se sentaram no último banco da igreja e assim, assistiram ao culto. Na hora da pregação, o pastor perguntou se alguém queria aceitar a Jesus. Cláudio e os filhos foram os únicos que levantaram a mão, o resto da igreja permanecia apática, fria e desconcentrada.
Ao se deslocarem para o púlpito, ele reparou que todos os observavam dos pés a cabeça, como se fossem seres alienígenas e asquerosos. Com os cabelos despenteados, cheirando mal (ele não tinha desodorante), com as calças surradas do sol, camisa preta desbotada e um sapato preto que até ganhou do Dr. Raimundo no Natal, Cláudio pareceu não se importar com os olhares daquele povo tão medíocre e vazio.
- Não sabia que nessa igreja aceitavam esse tipo de gente mamãe - disse uma adolescente. Apesar de ter ouvido a crítica da menina, ele apenas levantou a cabeça e continuou a caminhar... com um coração batendo cada vez mais forte e anseiando a presença de Cristo em sua vida.
De longe, o Dr. Raimundo avistou Cláudio e resolveu acompanhá-lo até a presença do pastor. Ao vê-lo, logo o cumprimentou alegremente.
- Conte sempre com meu apoio meu amigo - disse Dr. Raimundo notando uma ponta de tristeza nos olhos daquele homem e de seus filhos.
- O mais importante meu rapaz, é que Jesus te ama do jeito que você é. Não se importe com esse pessoal - disse, tentando confortar Cláudio.
Ao chegarem ao púlpito, o pastor estendeu a mão e abraçou Cláudio e os cinco garotos. Os "cristãos" da igreja pareciam atônitos diante daquela cena, como se perguntando como um pastor, que era um homem rico, letrado, e de boa aparência pudesse tocar ou abraçar pessoas pobres.
- Irmãos, vamos nos regozijar porque hoje está tendo festa nos céus por essas vidas que se entregaram a Cristo - disse o pastor.
Após a oração e a benção apostólica, todos saíram e ficaram em frente da igreja conversando com as suas devidas panelinhas. Cláudio observou que ninguém foi cumprimentá-los, ninguém sorriu para eles, não demonstraram simpatia e nem educação, a não ser o pastor e o Dr. Raimundo com a família.
- Aperte a mão dos nossos novos irmãos, minha filha - disse o pastor com sua filha, uma adolescente de 17 anos.
A garota apertou a mão de todos, mas depois limpou suas mãos na blusa. A impressão que dava era que ela estava com nojo por ter tocado nas mãos daqueles pessoas tão simples, mal cheirosas e mal vestidas. O pastor ficou tão constrangido e enervado com a atitude da jovem que pediu desculpas e se retirou do local disposto a dar uma bronca na filha.
Com o coração apertado e certo de que ele e a família estavam sendo vítima de preconceito, eles se retiraram com a certeza de que tão cedo, ou talvez nunca mais, voltariam para aquela igreja.
Uma semana se passou e o Dr Raimundo sentiu falta de Cláudio na portaria do condomínio.
- Tem notícias do Cláudio, seu Severino? - perguntou Dr. Raimundo para o jardineiro.
- Ah, doutor, o senhor nem acredita. Aconteceu uma coisa maravilhosa com ele.
- Pois conte logo, homem, tô curioso!
- Há dois anos atrás, o Cláudio tinha feito um concurso pra nivel médio para o TJ lá em Brasília, o senhor soube né que ele tinha até passado, mas ele nunca foi chamado. Ele vai ganhar uma grana alta doutor!!
- Quer dizer que ele finalmente foi chamado?
- Pois é doutor, ele recebeu uma carta chamando ele para ir lá e providenciar logo a documentação para exercer logo o cargo dele.
- Que maravilha, seu Severino!!!
- Lá ele vai conseguir fazer a faculdade dele de Direito que ele tanto sonha e dar uma vida mais digna pra família dele. A mulher dele não tinha nem terminado os estudos, mas ela estava falando que vai estudar e fazer até vestibular pra Enfermagem. É, doutor, aquela família ali vai longe.
- Com certeza seu Severino, com certeza!!!!


Oito anos depois...

A igreja continuava a mesma. Por fora muito bonita, mas por dentro, só existiam pessoas vazias, mas aquele dia era uma data mais do que especial. A igreja estava realizando conferências missionárias e o pregador era um homem, pelo que o Dr. Raimundo ouvira, extremamente culto, doutor em Teologia e um conceituado advogado.
- Não perco a mensagem desse homem por nada. Vamos mulher, se apresse, a igreja vai lotar. Quero muito conhecer esse homem que a igreja toda está comentando.
- Dizem que ele é um homem de Deus. Suas mensagens são cheias da unção.
- Preciso conhecê-lo.


Muita coisa havia mudado nesse tempo todo em que trabalhava e estudava. Cláudio e sua família agora eram pessoas diferentes, e isso em todos os sentidos. Deus tinha lhes abençoado de forma sobrenatural. Com o tempo Cláudio conseguiu se destacar no trabalho, subiu de cargo e passou a ganhar bem mais. Fez Teologia e depois o doutorado. Depois prestou vestibular para Direito e também tinha um escritório de advocacia, um dos mais solicitados de Brasília. A esposa, Ana Rita havia se formado a pouco tempo, mas já era chefe no seu setor em um hospital grande em Brasília e os garotos, agora todos com a idade de 15 a 19 anos, estavam estudando em bons colégios e universidades. Ele agradecia a Deus pela bela casa, carros e sítios. Cláudio se sentia um homem realizado em todos os sentidos.
A convite do pastor da Igreja Nova Esperança de Cristo, com quem ele nutriu uma amizade desde o período em que aceitou a Cristo, resolveu aceitar o convite para pregar naquele dia de sábado à noite.
Ao chegar na igreja, lembrou do dia em que pela primeira vez pisou lá. Lembrou dos olhares de rejeição, do desdém, das críticas das pessoas e da metida da filha do pastor que limpou as mãos na blusa. Tudo parecia vivo em sua mente, mas no fundo de seu coração, Cláudio já havia perdoado todas aquelas pessoas e aquelas lembranças já não o faziam mal. Por outro lado, ele até reconheceu que tudo aquilo que aconteceu foi só um impulso para que pudesse vencer e crescer na vida. Pois é, ele botou na cabeça que queria vencer e mudar a triste realidade em que vivia.
Cláudio se surpreendeu com a quantidade de pessoas que vieram cumprimentar a ele e sua família antes do culto. As pessoas sorriam pra ele, as mulheres se aproximavam de Ana Rita sempre elogiando seus cabelos e roupas, os jovens tentavam se entrosar com os garotos de Cláudio. Tudo parecia muito bom.
Finalmente, ao subir no púlpito, o pastor Cláudio começou a agradecer o carinho das pessoas e começou enfim, a pregar. O tema foi "Nunca julgue um livro pela capa". Ele falou sobre preconceito, discriminação, falta de amor, orgulho e arrogância. Deus estava usando grandemente aquele homem, de fato que muitos que estavam ali se sentiram tocados pelo Espírito Santo. Ao término da mensagem, a convite dele, vários irmãos foram pra frente para confessar seus pecados de orgulho, vaidade, arrogância e falta de amor.
O Dr. Raimundo logo o reconheceu e ficou feliz pela reviravolta que Deus deu em sua vida. Deus era realmente fiel.
Após orar por toda a igreja e pelos irmãos que confessaram seus pecados, Cláudio resolveu dar o seu testemundo.
- Eu sempre tive uma vida muito difícil meus irmãos. Nunca consegui nada de mãos beijadas. Já fui gari, pedreiro, jardineiro e vigia noturno, mas sempre soube que meu futuro eu ia conseguir através dos livros, por isso, resolvi estudar. Decidi mudar a minha vida. O primeiro concurso que fiz, que foi para o TRT, passei e fui chamado. Lá em Brasília, estudei e trabalhei. Minha vida não foi fácil. Minha esposa terminou os estudos e se formou em Enfermagem. Consegui colocar meus filhos em bons colégios e graças a Deus, consegui uma ótima estabilidade. Fiz Teologia e me aprofundei até conseguir meu doutorado...
- ... Mas lembro bem que quando era pobre, quando me vestia e cheirava mal, quando só tinha uma bicicleta velha para andar, a maioria das pessoas que hoje me trataram tão bem, anteriormente tinham tratado a mim e minha família com um desprezo que eu nunca achei que existia em uma igreja. Fiquei decepcionado com a pobreza de espírito e com a falta de amor da maioria dos irmãos. Naquele dia, vim pra cá para aceitar a Jesus e aceitei, mas confesso que o preconceito dos irmãos me incomodou muito e quase me fez desistir de aceitar a Cristo...
-... Mas dou graças a Deus pelas vidas que se renderam aqui e que confessaram ter um novo coração de agora em diante, só que eu gostaria de dizer mais uma última coisa: Nunca julgue um livro pela capa. A vida dá muitas voltas e numa dessas voltas, você pode se surpreender. Deus está sempre nos ensinando a sermos mais humildes e a termos um novo coração. É isso o que desejo a vocês: um coração igual ao de Cristo: humildes, sinceros e cheios de amor. E que Deus os abençoe!

MORAL DA HISTÓRIA: Não sejamos como os fariseus hipócritas que Jesus chama de sepulcros caiados: podres por dentro. Procuremos tratar a todos de forma igual, não fazendo de forma alguma acepção de pessoas pelo fato de alguns serem negros, pobres, deficientes, gordos ou magros demais. Jesus morreu por todos. Ele não fez acepção de pessoas! Jesus foi o maior e único exemplo de amar e de ser humilde, apesar de ser o próprio Deus em forma de homem. Sigamos o exemplo de Cristo e peçamos a Ele que tenhamos um coração igual ao Dele.


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